[O texto abaixo é referente a reflexão feita pelo padre Adriano São João, sobre o tema 'paciência' ,na Quarta-feira Santa de 2016]
- A paciência é a disciplina da compaixão.
- A palavra “compaixão” pode ser interpretada como sendo com-paciência.
- As palavras “paixão” e “paciência” têm as suas raízes na palavra latina pati, que significa “sofrer”.
- Vida compassiva: vida pacientemente vivida com os outros.
- Sem paciência não há compaixão.
- Se nós mesmos não pudermos sofrer, não poderemos sofrer com os outros.
- Se não carregarmos o peso da nossa vida, não poderemos aceitar o peso do nosso irmão.
- Todas as vezes que ouvimos a palavra “paciência” temos a tendência a nos retrair.
- A palavra “paciência” é muito rica de sentido, mas quase sempre nós a usamos com o significado de “esperar”.
- Ter paciência, neste caso, tem o sentido de esperar o papai chegar a casa, até que o ônibus chegue, até que o garçom traga a comida, até que a fila diminua, até que as aulas terminem, que a dor diminua, que a chuva pare, que o carro seja consertado etc.
- A palavra “paciência”, nestes casos, fica assim associada à impotência, à incapacidade de agir, a um estado geral de passividade e de dependência.
- Ter paciência é saber esperar para que, com o tempo, os problemas se resolvam. Ter paciência é deixar que as coisas aconteçam e permitirmos que os outros tomem decisões.
- Mas a verdadeira paciência é o oposto de espera passiva, na qual nós deixamos que as coisas aconteçam e permitimos que os outros tomem decisões.
- Paciência: entrar ativamente no âmago da vida e suportar plenamente o sofrimento em nós mesmo e ao nosso redor.
- Paciência: capacidade de ver, ouvir, tocar, saborear e cheirar tão plenamente quanto possível os acontecimentos íntimos e exteriores da nossa vida.
- Paciência: entrar em nossa vida com os olhos abertos, com ouvidos atentos e com as mãos atuantes, de forma que realmente possamos conhecer o que está acontecendo.
- Paciência: disciplina extremamente difícil. Ela se contrapõe ao nosso impulso irrefletido de fugir ou de lutar.
- Quando alguém aborda um problema sensível, alguma coisa dentro de nós procura mudar de assunto.
- Quando se apresenta uma lembrança desagradável, algo dentro de nós quer esquecê-la. E se não podemos fugir, saímos para a luta.
- Combatemos aquele que desafia as nossas opiniões, as pessoas que questionam o nosso poder e as circunstâncias que nos forçam a mudar.
- A paciência exige de nós que superemos a escolha entre a fuga e a luta.
- A paciência pede que escolhemos o terceiro caminho, que não seja nem o da fuga nem o da luta.
- A paciência exige disciplina, porque vai contra a natureza dos nossos impulsos.
- A paciência exige escuta daquilo que se apresenta a nós aqui e agora.
- A paciência significa parar no caminho quando alguém que sente dor precisa de atenção imediata.
- A paciência significa superar o medo de um assunto controverso.
- A paciência significa dar atenção a lembranças vexatórias e a busca do perdão sem ter o que perdoar.
- A paciência significa aceitar uma crítica sincera e a valorização de condições de mudança.
- Em síntese: a paciência é a disposição de ser influenciado mesmo quando isso exige a perda do controle e a entrada num território desconhecido.
- Jesus e Maria têm muito a dizer a respeito desta paciência ativa.
- A palavra grega para paciência é hypomoné. Esta palavra têm vários significados: paciência, tolerância, perseverança, fortaleza. Isso sugere que estamos tratando de um conceito bíblico muito rico.
- Na Bíblia, a paciência é a qualidade daqueles que constituem o solo fértil no qual as sementes podem produzir boa colheita. Jesus diz: “São aqueles que, ouvindo de coração bom e generoso, conservam a Palavra e dão fruto na perseverança” (Lc 8,8.15).
- Jesus considera esta paciência o centro da vida dos seus discípulos. “E vós sereis entregues até mesmo pelos próprios pais, irmãos, parentes e amigos. E eles matarão alguns de vós. Vós sereis odiados por todos, por causa do meu nome. Mas não perdereis um só fio de cabelo. É permanecendo firmes que ganhareis a vida” (Lc 21,16-19).
- Jesus não quer que seus discípulos não lutem nem fujam, mas que entrem profundamente no alvoroço da existência humana.
- Jesus chega até a dizer a seus discípulos que nem se preparem se tiverem que defender no tribunal.
- No meio dos seus sofrimentos, os discípulos descobrirão a voz de Deus misericordioso, que lhes dará a sua sabedoria.
- Paciência = sentido ativo. Indica vigor, fecundidade.
- São Paulo exorta o seu amigo Timóteo a ser paciente e amável (1Tm 6,11).
- Ele escreve aos Colossenses, dizendo: “Revesti-vos de sentimentos de compaixão, bondade, humildade, mansidão, paciência” (Cl 3,12).
- A presença misericordiosa de Deus se torna manifesta através da paciência, da perseverança, da fortaleza.
- O Novo Testamento apresenta assim a paciência como a forma de vida do discipulado que nos torna sinais vivos da presença misericordiosa de Deus no mundo.
- A paciência é como a entrada atuante no âmago da vida.
- A impaciência é a ânsia de fugir do aqui e do agora quanto antes possível.
- O nossos momentos de impaciência são duros. Roubam e até destroem o nosso momento presente.
- Quando nos impacientamos com os que falam, queremos que parem de falar ou que mudem de assunto. Quando nos impacientamos com os nossos filhos, queremos que parem de chorar, de pedir sorvete ou que parem de correr. Quando nos impacientamos com nós mesmos, queremos mudar os nossos maus hábitos, concluir uma tarefa determinada ou ir em frente mais rapidamente.
- Seja o que for a natureza da nossa impaciência, queremos deixar o estado físico ou mental em que nos encontramos e passar para outro estado menos desconfortável.
- Quando expressamos a nossa impaciência, revelamos os desejos de que as coisas mudarão logo que for possível.
- Tudo isso indica que a impaciência é a experiência do momento como algo vazio, inútil e sem sentido. Queremos fugir do aqui e agora. Queremos sair desse lugar neste mesmo instante.
- O problema é que nós vivemos em tempo relógio. Nossa vida é dominada pelos nossos relógios. Existem horas para tudo: para visitas, para rezar, para bailar, para terapia etc.
- Tempo do relógio: tempo exterior que sempre está nos dizendo: Apressa-te, apressa-te, o tempo passa ligeiro, rápido, talvez percas a realidade. O tempo do relógio é o tempo da partida, do corre-corre, da agitação, da fúria das horas.
- O tempo do relógio é o tempo da impaciência.
- Tempo da paciência: momentos em que temos uma experiência diferente do tempo. É a experiência do momento pleno, rico e fecundo.
- Esses momentos de paciência podem diferir muito uns dos outros.
- Eles podem ocorrer enquanto estamos simplesmente sentados na cabeceira da cama de um doente e percebemos que estar juntos é a coisa mais importante.
- Eles podem acontecer enquanto estamos empenhados numa tarefa regular e de repente reconhecemos que é bom simplesmente estarmos vivos e ocupados com algum trabalho.
- Eles podem ocorrer quando nos encontramos dentro de uma igreja em silêncio e percebemos inesperadamente que tudo está presente aqui e agora.
- É quando dizemos: parece que o tempo parou; jamais esquecerei este momento.
- Esses momentos não são necessariamente alegres, felizes. Podem também estar cheios de tristeza e de dor, ou marcados pela angústia e pela luta. O que importa é a experiência da plenitude, da importância e da maturação interior.
- Momentos de paciência: momentos em que sentimos que a vida real nos tocou. Desses momentos nós não queremos nos afastar. Queremos vive-lo plenamente.
- A paciência dissipa o tempo do relógio e revela tempo novo, tempo da salvação. Não se trata de tempo medido pelo relógio, mas do tempo vivido a partir de dentro de nós mesmos e experimentado como tempo pleno. É este tempo pleno de vida que pode ser encontrado através da disciplina da paciência.
Fonte: H. Nouwen, Compaixão. Paulus, 1998.
* Pe. Adriano São João é pároco na Paróquia Nossa Senhora de Fátima de Pouso Alegre (MG) e integrante do corpo docente da Faculdade Católica de Pouso Alegre (Facapa)